quinta-feira, 1 de julho de 2010

ENEM: Intertextualidade - diálogo entre gêneros

     A intertextualidade é possível quando se conhecem as obras citadas indiretamente.
     Com muita frequência, um texto retoma passagens de outro. Na literatura, a citação, muitas vezes, é implícito, ou seja, um poeta ou romancista não indica o autor e o trabalho de onde retira as passagens citadas, pois pressupõe que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto de informações a respeito de obras que compõem determinado universo cultural. Leia os dois exemplos abaixo:

Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
              (Gonçalves Dias)

Canção do Exílio
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
Gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda

Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
                                                     (Murilo Mendes)

Os dois textos acima exemplificam um tipo muito comum de intertextualidade - a paródia, que consiste em subverter o texto parodiado. A Canção do Exílio de Murilo Mendes é uma pesada crítica a vários aspectos da sociedade brasileira, revestidos de certo sarcasmo. Começa criticando as influências estrangeiras, representadas no início to texto pelas macieiras da Califórnia e gaturamos de Veneza. Ela contradiz abertamente a entusiasmada Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Outro tipo de intertextualidade é a paráfrase: as palavras são mudadas, mas a ideia original é confirmada pelo novo relato. A alusão ocorre para atualizar, reafirmar os sentidos ou alguns sentidos do texto citado. Enfim, é dizer com outras palavras o que já foi dito. Exemplo:

Meus olhos brasileiros se fecham saudosos
Minha boca procura a 'Canção do Exílio'.
Como era mesmo a 'Canção do Exílio'?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
Onde canta o sabiá!
         (Carlos Drummond de Andrade, europa, França e Bahia)

O poeta Carlos Drummond de Andrade retoma o texto Canção do Exílio conservando ideias. Não há mudança do sentido principal do texto, que é a saudade da terra natal. Outro aspecto que deve ser levado em conta: a intertextualidade não se restringe aos textos literários - ela pode existir entre os mais variados gêneros. Por exemplo, os textos publicitários, muitas vezes, fazem remissão a poemas, romances, filmes ou músicas consagradas.

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